Eis a questão

Leiam esse editorial do programa Barra Pesada, da TV Jangadeiro. É um chamado à reflexão, livre das paixões partidárias. Endossamos o seu conteúdo, lembrando aos nossos amigos que é a mudança desse estado de coisas que está em jogo. Não podemos acreditar que o povo brasileiro não se sensibilize contra a crise que vivemos.


EDITORIAL

O mecânico de bicicleta Francisco das Chagas Rodrigues, acusado dos assassinatos de quarenta garotos no Pará e Maranhão, está sendo julgado hoje em São José de Ribamar. Se é verdade que ele é autor de tantos crimes, é justo que seja condenado e passe a viver segregado em prisão porque se trata de um ser nocivo à sociedade. Mas deve ao mesmo tempo ser tratado adequadamente, porque quem comete esse tipo de horror não pode ser normal.

A história criminal do mecânico rendeu inclusive ao Brasil e ao estado do Maranhão um processo da Organização dos Estados Americanos (OEA), por descaso na apuração dos crimes. A cobrança dos organismos internacionais como a OEA em casos como esse é benéfica à sociedade, necessitada da proteção do Estado e da aplicação da justiça. Mas é preciso que seja feita também aos países que fazem as guerras, que mantêm ditaduras sangrentas, revoluções internas na disputa do poder, assassinando diariamente não só 40 crianças, mas milhares, dezenas de milhares.

E não é apenas um mecânico de bicicleta, maníaco, que deve ser julgado e punido por seus crimes nefandos. Esses, talvez, sejam os únicos que estejam na cadeia. São os que matam em nome do Estado, que matam conscientes e não sofrem nada. E não matam apenas na guerra, não. Matam de fome, matam de desnutrição, matam negligenciando os deveres para com a saúde pública, apossando-se dos recursos dos SUS, das ambulâncias, dos remédios e do sangue.

É preciso que esses organismos de defesa dos cidadãos do mundo, das crianças, dos jovens e dos idosos não se restrinjam apenas aos crimes episódicos como da Candelária, no Rio; como do Carandiru, em São Paulo; e de Carajás, no Pará. É necessário cobrar também a investigação e punição dos criminosos do colarinho branco, dos que fazem as leis e dos que as aplicam. Eles ficam com as montanhas de recursos públicos, com o dinheiro do povo. É dinheiro que falta para a merenda escolar, para as UTIs infantis, para leitos hospitalares, para o remédio que os pais pobres não podem comprar para os seus filhos. Mas eles estão soltos aí, muitos deles reeleitos para os cargos públicos, para os mandatos populares com o voto do povo enganado. Que diferença faz entre esse mecânico do maranhão, acusado de assassinar 40 crianças, e esses que matam tirando o pão minguado da boca das crianças pobres?

Tudo isso serve para a nossa reflexão sobre o momento grave que vivemos. Meter só os pobres na cadeia, deixando livres e até protegendo os grandes criminosos, não parece justo.